sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Réveillon







Domingo 2/01/11
23:16
No dia em que eu e Lívia pintamos o chão da sala Gandhi de vermelho, vestimos roupas de trabalho daqui mesmo: tênis, luva e manteau. Tivemos muito cuidado no trabalho e caprichamos. Na hora da pausa saímos pra tomar um café e sujamos o corredor todo com nossos passos de tinta vermelha. O problema é que não vimos. O V. viu e limpou e depois falou pra todo mundo que a gente sujou tudo de tinta. Foi engraçado, porque alguns franceses com aquele jeito de deboche ficaram pegando no nosso pé. Mas a Lívia respondeu bem a todos: “Nossa arte foi incompreendida!”. O pessoal é super tranquilo aqui e não teve problema. Só tivemos que passar mais solvente depois pra limpar. Quero falar de V., a menina de uns 12 anos que andava sempre com a gente e é gracinha demais!Ela sempre sentava conosco durante as refeições, nos ajudava com o francês e com as tarefas que tínhamos que cumprir. Para o Réveillon, o Arche faz uma apresentação com vários quadros legais das produções artísticas de todos. V. queria muito apresentar uma esquete conosco. Ela começou a planejar, olhou na internet, nos procurava sempre para falar de La pièce de théatre. Eu meio que dei uma fugida dela, porque não queria apresentar. No dia da pintura do chão da sala Gandhi, o P. (um dos brasileiros) estava passando verniz nas portas e nós três conversamos muito. Ele contou que sabe tocar forró no violão e que tem uma francesa no Arche que sabe cantar Morena Tropicana. Eu como monitora de forro podia ensinar mais algumas pessoas a dançar forró e assim apresentaríamos na festa de Réveillon. Perguntamos pra V. se ao invés de fazer a esquete poderíamos apresentar o forró, ela topou. Marcamos então de ensaiar uma noite e ensinar para alguns jovens daqui para poderem dançar com a gente. Falamos com poucas pessoas, mas na hora da dança chegou muita gente. Deve ter ido umas 50 pessoas na sala. O P., que ia tocar, estava atrasado e a Lívia espalhou para os sete cantos do Arche que eu era professora de forró. Respirei fundo e encarei a plateia. Passei os passos básicos, falei para formarem os pares - demorou um século - e eu com meu francês de dois dias na França tentei ensinar alguma coisa. Que horror! Virou uma bagunça, as pessoas não faziam silêncio, eu não conseguia falar francês com espontaneidade... Très compliqué. O P. e a francesa tocaram Morena Tropicana e acabou a aula. Fomos pro Clubinho depois. Lá foi muito gostoso, vimos fotos, escrevemos nossos e-mails no teto... Na sexta-feira, dia da apresentação - já tínhamos dado nossos nomes para o V. nos colocar na apresentação, tive uma ideia para apresentarmos: P. e a francesa tocariam e cantariam, Tomaz e Lívia seriam um casal da dança, e eu e R. (um francês que dança muito bem - eu o convidei mais tarde pra dançar comigo) seríamos outro casal da dança. À noite, Réveillon, lindo!!! Enrolei horrores pra arrumar pra festa, porque tinha trabalhado muito de dia. Quando vi, já estava atrasada. Lívia foi pro meu quarto pra gente arrumar. Sabíamos que primeiro seria uma missa - começava às 20:45. Cinco minutos depois da missa ter começado, não poderíamos mais entrar, teria que ser só depois que a missa acabasse - umas 21:45. Com o meu atraso e a preguiça da Lívia para missas longas, resolvemos chegar atrasadas uma hora. Vesti um vestido, meia e bota pretos com um colar com um pingente de coração prata. Não queria passar o Réveillon de preto, mas não trouxe vestido de outra cor. Acho que o coração prata - brilhante - deve salvar a superstição da relação cor/realizações no ano. Aproveitei pra ligar pra minha mãe e desejar um feliz ano novo. Liguei a cobrar, ela estava com minha avó e meu avô em casa. Pediu pra eu mandar mais notícias e não sumir e falou que estava tudo bem. Muito bom falar com minha mãe! Depois, fomos para a festa. Entramos tentando ser super discretas, mas em um lugar onde todo mundo sempre chega no horário, é difícil não chamar atenção ao chegar uma hora atrasado. Aconteceram várias apresentações: teatro do nascimento de Jesus, vários corais, apresentação de violino, teatro da Revolução Francesa, dança tipo rock realizada por adolescentes, danças folclóricas, e nosso forró... Os apresentadores eram o V. e uma italiana que não sei o nome. Eles faziam esquetes engraçadas (de cegos, médico-paciente, ladrões, dançarinos, etc) para apresentar cada bloco de apresentações. Nosso forró deu super certo. R. me chamou antes pra revisar os passos, ele estava muito nervoso. Eu estava incrivelmente calma, não é comum. A apresentação foi otima, fizemos altos passinhos. Mais tarde foi a contagem (aqui não é regressiva, contamos até o 20 não sei porque, acho que é zoação do V.) pro ano novo. Depois todos se abraçaram. Na hora, todas as pessoas ao meu redor estavam se abraçando, não achei nem um ser vivo disponível para um abraço. Foram uns segundos de depressão que me deixaram pra baixo por muitos minutos. Depois fui a segunda opção de abraço para muitos. Lembrei do meu Réveillon do ano passado que aconteceu algo parecido: bem na hora da virada todos se abraçaram e eu fiquei sem um par pra abraçar, depois todos deram um beijo coletivo e eu não sei onde estava que não participei. Enfim... Começaram os comes (chocolates, nozes, castanhas, biscoitinhos) e bebes (sucos, vinhos, cervejas). E também as danças. Eles fizeram várias danças muito conhecidas no Arche. A professora de dança me tirou várias vezes do meio do grupo de dança, porque eu não sabia os passos que seriam feitos. Ela foi muito chata, só falava: Regardez maintenan! (Assista agora!) Depois as danças ficaram mais socializadas. Teve uma hora que não achei um par pra dançar e a Lívia ficou no meio da roda me gritando pra dançar com o J., que eu não gosto, porque ele é bem debochado com pessoas que não falam bem francês. Acabei tendo que dançar com ele mesmo assim. Quase matei a Livia depois. O R. me chamou várias vezes pra dançar e me ensinou muitas danças doidas daqui. Foi muito bom, ele dança très bien. Vários franceses conversaram comigo durante a festa, muito simpáticos. Eu cheguei para conversar com o N. e ele me respondeu friamente e saiu, achei muito estranho porque ele sempre conversava comigo. Depois me chamou pra dançar todo simpático. Vai entender esses belgas: o humor muda o tempo todo. Fizemos uma brincadeira ótima, era assim: tinham vários casais dançando valsa, um casal ficava de chapéu, quando a música parava, todos deviam trocar de par, quem sobrasse com o homem e a mulher de chapéu, saia. Foi muito engraçado, todo mundo desesperado procurando par!!! Teve uma hora que subi pro meu quarto para guardar uma blusa, de repente Lívia chega toda brava dizendo que dois franceses estavam zoando da cara dela perguntando se no Brasil tem TV, computador, essas coisas... Ela disse que eles foram extremamente grosseiros e ela ficou com muita raiva e saiu. Enquanto ela me explicava no hall do 4º andar, chegaram vários meninos aqui do Arche pedindo desculpas e dizendo que eram des blagues françaises (brincadeirinhas francesas). Pediram desculpas, o N. que estava cabeceando o negócio. Ela aceitou as desculpas e voltamos a dançar. Mais tarde fomos pro clubinho. Conversei muito com C., uma francesinha bonita e super simpática que tem quase o mesmo perfume que eu. Conversei também com P. (que achei que fosse alemão, mas é francês) e com o R.. Fiquei lá até 6:00 da manhã e dormi até 12:30 do dia seguinte. Fui acordada pela Lívia, porque eu não tinha despertador. O almoço do 1º dia do ano foi muito chique! As mesas todas cobertas com um forro branco, talheres postos, velas vermelhas, cardápio especial, sobremesa linda e rebuscada, vinho para aperitivo, durante e após a refeição (fiquei tomando o vinho do aperitivo, que achei o mais gostoso, durante a refeição, veio um francês e disse que a hora do aperitivo já tinha terminado - ele disse brincando, mas foi muito chato). A tarde fomos passear pela redondeza com um grupo jovem, foi muito bom! A noite jogamos cartas (Buraco), eu, Tomaz, Lívia e R.. Bom... Até que enfim escrevo sobre o dia respectivo, mesmo que a meia-noite e meia e eu morrendo de sono... Hoje, domingo, dia 2 de janeiro, acordei cedo porque é meu dia de ajudar na cozinha (do fim de semana). Quando eu fui nos lavabos comunitários, estavam vazios, escovei meus dentes e fui até a cabine do fundo para usar a toalha. No caminho (os lavabos são separados por paredes), passei por J. parado olhando pro vazio, levei um susto e falei “bonjour”, pra me certificar que estava tudo bem. Acho que ele tem algum problema psicológico, porque fica muito tempo olhando pro nada, ou olhando pra alguém, sorri sozinho e tal. Tomei café e cheguei na cozinha às 9:30 pro épluche, que é descascar e picar os legumes. Hoje estava suuuper tranquilo, porque quase todo mundo foi embora. A S. foi na cozinha me procurando para se despedir e me passar seu endereço. Ela mora numa vila no meio de vulcões e já havia me convidado antes para ir lá e agora deixava o e-mail para eu ir visitá-la. Fiquei encantada com sua atitude. Realmente, francês não convida da boca pra fora, ou por educação. Às 10:30 eu e Tomaz fomos à missa na Igreja, mas a missa foi celebrada na capela de inverno por ser menor e fazer menos frio. Hoje a temperatura baixou muito e nevou um pouco. Eu, Tomaz, Lívia e Mayra (a argentina) demos uma volta pela vila para tirarmos fotos. Foi difícil aguentar, porque o frio estava doendo nos ossos e estava ventando muito. Conheci também a igreja/abadia maior. Tirei várias fotos de dentro dela. É super estilo medieval. A arquitetura dela é muito rústica, cheia de pedras, enoooorme, vários vitrais coloridos, bem escura e cheia de monumentos e restos mortais de pessoas importantes do século XIV. Passamos numa lojinha de souvenirs pra olhar e voltamos pro Arche antes que congelássemos no frio abaixo de zero. Maya sugeriu que víssemos um filme, então nos levou até a casa dela para escolhermos. Ela mora no segundo andar, é tipo um apartamento bem pequeno dentro da construção imensa, labiríntica e exótica em que vivo no momento. Sua mãe, S. estava lá. Ela é professora de literatura argentina e ficou muito feliz de conversar comigo sobre literatura. Ela pegou um livro e me falou de várias obras argentinas. Eu também passei o nome de vários escritores brasileiros para ela. Ela falava em espanhol e eu em português, a gente se entendeu super bem. Foi muito legal o encontro. Depois fomos tomar banho, conversamos MUITO, no fim estávamos cansados demais pra ver o filme, deixamos pra amanhã. Cecile me disse que amanhã de manhã preciso trocar de quarto, vou para o primeiro andar, dividirei o novo quarto com uma brasileira que chegara.

4 comentários:

  1. Q legal, Iggy!!!

    Estou adorando ler o seu blog, vc escreve muito bem, nos prende na leitura e nos deixa querendo mais.
    Ah, um pedido, durante o seu sonho, vem me buscar aqui, p/ passearmos por esses lugares lindos q vc descreveu neste post e tb matar a saudade.

    bjo

    Thatá

    ResponderExcluir
  2. Ah, esqueci de dizer, vc ficou linda no vestido. Adorei o seu look.

    Tudo de melhor p/ vc aí.

    bj

    ResponderExcluir
  3. Ah! Pode deixar que te busco ai pra vc conhecer a Arche! Esteja preparada essa noite! rsrs

    ResponderExcluir
  4. Ignês, também estou amando ler seu blog. Suas histórias são ótimas. Realmente, a vontade que dá é de ler mais e mais. Estou ansiosa pelas próximas histórias. Um super beijo!!!

    ResponderExcluir